Deixamos os túneis através de uma abertura escondida atrás de um matagal. Estávamos no meio do monte, com o Bom Jesus atrás de nós.
Através de uma vereda parcialmente abandonada e cheia de vegetação, descemos até uma rua de paralelo e, através desta, até ao campo no outro lado do qual se encontrava a quinta dos Cerqueira.
Era de noite, e a Lua estava nas últimas fases do quarto minguante, pelo que não havia muita luz. Devagar e aos tropeções, atravessamos até ao muro da propriedade dos Cerqueira, uma barreira de pedra com mais de dois metros de altura que ocultava tudo o que se passava no interior.
Se todos fossemos humanos, teríamos dificuldade em subir a parede quase lisa, mas um dos meus companheiros possuía garras curvas e retracteis, não muito diferentes das dos gatos, e chegou ao topo em questão de segundos. Depois, ajudou-nos a subir.
Tínhamos agora uma vista desimpedida de todo o vinhedo dos Cerqueira. Não havia grande luz. Afinal, os trasgos vêem perfeitamente bem na escuridão. O mesmo, provavelmente, pode ser dito dos seus capatazes, pois, embora não os víssemos durante a noite, ouvia-se o estalido dos seus chicotes e gritos zangados.
– Como vamos fazer isto? – perguntei. – Não consigo ver nada.
– Eu consigo – disse Alexandre, um dos meus companheiros. – Mas vamos mas é descer, antes que nos vejam.
Cuidadosamente, deixamo-nos cair para dentro do terreno dos Cerqueira.
– Por aqui – indicou Alexandre.
Segui-mo-lo, contornando vinhedos que mais não eram para nós do que colunas e redes ligeiramente mais negras do que a noite.
Escondemo-nos, agachados, atrás das paredes de granito que delimitavam o que devia ser um velho poço.
– Ali – sussurrou Alexandre.
Não conseguia ver para onde ele estava a apontar, mas o estalido de um chicote ajudou-me a descobrir. A uns cinquenta metros, uma forma negra mais alta do que eu golpeava com um chicote uma outra do tamanho de um trasgo.
– Já chega – gritou outro dos meus companheiros, saindo do esconderijo.
Estremeci. O sacana tinha-nos denunciado a todos.
Seguiu-se uma enorme correria. Nenhum de nós sabia bem para onde ir ou o que fazer. Atirei-me ao primeiro capataz que encontrei, derrubando-o. Não o conseguia ver claramente, mas sabia que não era humano, pois senti as suas garras a rasgar-me a roupa e pequenos espigões a enterrar-se nas minhas mãos quando lhe esmurrei a cara.
– Fujam, fujam! – ouvi Alice gritar não muito longe.
À minha volta, as pequenas formas dos trasgos começaram a correr. Vi-as a trepar a parede como gatos e a desaparecer atrás dela.
– Que se passa aqui? – Ouvi a voz de Henrique vindo da direcção da casa.
Ao olhar para lá, vi que se encontrava acompanhado por mais dez silhuetas. Estávamos prestes a ficar em grave desvantagem numérica.
– Vamos sair daqui – gritei.
Uns quinze minutos mais tarde, estávamos de novo junto à entrada do túnel, prontos para regressar ao Bar das Fadas. Não sabíamos se tínhamos salvo todos os trasgos, mas, pelo menos, alguns escaparam. De qualquer forma, não nos adiantava voltar lá tão cedo. Os Cerqueira iam estar de sobreaviso.